segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ex-prefeito maranhense mantém trabalhadores em curral com animais

Médico e dono de hospital, Gilson Freire de Santana, que foi prefeito de Açailândia (MA) entre 1997 a 2000, é dono da Fazenda Santa Maria, de onde 19 pessoas foram libertadas. A maioria dormia no curral, junto com animais



Por Bianca Pyl
Da Repórter Brasil

Operação do grupo móvel de fiscalização encontrou 19 trabalhadores, um deles com 17 anos de idade, em condições análogas à escravidão em propriedade rural pertencente ao médico Gilson Freire de Santana, que foi prefeito de Açailândia (MA) entre 1997 e 2000 e é dono do Hospital Santa Luzia. Do total de libertados da Fazenda Santa Maria, 15 dormiam no curral, ao lado de animais e de agrotóxicos. As outras quatro pessoas resgatadas estavam em uma casa precária de madeira, com o teto prestes a desabar.
'O empregador igualou os trabalhadores aos animais que possui', comparou Márcia Albernaz, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que coordenou a operação. Os empregados dormiam em redes, trazidas por eles mesmos de suas casas, e enfrentavam dificuldades para descansar por causa do barulho dos animais. 'Quando dava 3h da manhã, ninguém conseguia dormir mais. Nosso horário [para acordar] era 6h30, mas o vaqueiro chegava gritando com os bichos e aí era uma barulheira danada a madrugada toda', contou João*, que trabalhou por quatro meses no local, foi libertado durante a ação e conversou por telefone com a Repórter Brasil.
Não havia instalação sanitária adequada e nem chuveiros. O banho era tomado a céu aberto. Quando chegaram ao local, os empregados tiveram que construir um 'abrigo' de lona, por conta própria e sem ter receibido pelo serviço, para tomar banho de caneca. 'Como a gente não tinha material [suficiente], só dava para cobrir da cintura pra baixo. A água vinha lá da casa do vaqueiro e ficava armazenada em um tambor', explicou a vítima.
A atividade principal desenvolvida na Fazenda Santa Maria é a criação de gado bovino para corte e para produção de leite. De acordo com a fiscalização, o rebanho criado no local soma mais de 1 mil cabeças. Os libertados eram responsáveis pelo 'roço de juquira' ('limpeza' para formação de pastagem), bem como pela ampliação e manutenção de cercas. Parte do grupo trabalhava na construção de uma casa próxima à sede.
Os alimentos não eram armazenados de forma adequada e o lixo também não era retirado com regularidade, o que fazia com que o local estivesse infestado de ratos. Os trabalhadores construíram uma cozinha improvisada com tábuas de madeira. A comida era comprada pelos próprios empregados, que juntavam dinheiro e compravam os mantimentos todo mês.
'Cada um dava R$ 50. Aí a gente comprava a comida do mês todo', relatou João. Os trabalhadores faziam um rodízio para cozinhar: a cada dia, um deles ficava responsável pelo preparo da comida. A água usava para beber também vinha de um poço localizado na sede da fazenda. 'A gente pegava água lá da casa do vaqueiro [alojado na sede] e colocava em dois tambores, um para banhar e outra para beber e fazer comida. Esse [último] a gente cobria com um pano', completou João. Não havia local para as refeições.
Os libertados não utilizavam nenhum equipamento de proteção individual (EPI); nem mesmo aqueles que se dedicavam à aplicação dos agrotóxicos. Além disso, as roupas dos aplicadores eram lavadas por eles mesmos junto com as outras, o que ampliava o risco de contaminação.
Nenhum dos empregados tinha registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) e o empregador não pagava o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Moradores da região de Açailândia (MA), eles estavam no local há meses; alguns trabalhavam desde maio de 2010.
Com apenas 21 anos, João declarou sentir os efeitos dos anos de trabalho sem a proteção adequada. 'Eu sempre bati veneno [aplicação de agrotóxico], né. Só que nunca usei máscara nem nada', contou. Ele reclama de dores, tem acordado enjoado e vem sentindo vontade de vomitar com frequência.
O libertado declarou ter conhecido 'doutor' Gilson quando este último estivera em outra de suas terras para efetuar o pagamento dos empregados. O médico possui outras duas fazendas próximas à Santa Maria: a Berro d’Água, com mais 1 mil cabeças de gado, e a Paraíso. 'A gente dormia em outra fazenda dele e ele foi lá ver o trabalho. Depois, fomos para a Santa Maria, onde ainda nem tinha alojamento. E ele nunca foi ver a nossa situação'.
O MTE lavrou 31 autos de infração contra o ex-prefeito de Açailândia (MA) por conta das irregularidades encontradas. A ação foi realizada no início de setembro. Contudo, as verbas rescisórias e o valor por dano moral aos trabalhadores só foram efetivamente pagos pelo empregador em 27 de setembro, após a intervenção do Ministério Público do Trabalho (MPT). A procuradora Andrea Tertuliano de Oliveira, que participou do grupo móvel, entrou com uma ação específica para bloquear os bens do fazendeiro. Logo após a fiscalização, Gilson havia se recusado a efetuar o pagamento dos direitos trabalhistas e das indenizações, que somaram R$ 69 mil.
Por conta do risco que corriam, os trabalhadores foram imediatamente retirados do local e aguardaram o encerramento da fiscalização em um hotel na cidade. Gilson também chegou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas não cumpriu o acordo de pagar os trabalhadores. O empregador não foi localizado pela reportagem para comentar o caso.
Operação Mauritia – A equipe do grupo móvel que libertou trabalhadores da fazenda do ex-prefeito também participou da Operação Maurítia (nome científico do buriti), que teve como objetivo averiguar o funcionamento de serrarias que fazem extração ilegal de madeira da Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi e das Terras Indígenas (TIs) Arariboia, Alto Turiaçu, Caru e Awá. A blitz, que contou com o envolvimento de mais de 180 agentes públicos, foi composta pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além do MPT e do MTE.
De acordo com a auditora fiscal Márcia, diversos problemas trabalhistas foram encontrados nos pontos inspecionados, mas não houve flagrantes de trabalho escravo. 'Enviamos à chefia da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão (SRTE/MA) três proposições de interdição de serrarias que colocavam em risco a segurança dos trabalhadores'.

Fonte: Jornal Pequeno

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