Aconteceu o que já era esperado em Açailândia: a Justiça Eleitoral indeferiu o registro de candidatura de Gleide Lima Santos, que reunia diversos partidos de oposição. Inicialmente, ela teve a candidatura impugnada pelo Ministério Público.
Mesmo contando com uma banca de advogados caríssima, a pretensa candidata não logrou êxito na Justiça por óbvias razões: está com a ficha mais suja do que pau de galinheiro.
Contra ela pesam fatos nada republicanos quando dirigiu por poucos meses a prefeitura daquele município. Imaginem se tivesse ficado por mais tempo.
O Ministério Público Eleitoral alegou na impugnação que Gleide Lima Santos, enquanto Prefeita do Município de Açailândia/MA, no exercício financeiro de 2003 (janeiro a outubro), teve suas contas desaprovadas pelo TCE/MA, com decisão já transitada em julgado, em virtude de irregularidades insanáveis, dentre as quais merecem realce a desobediência ao princípio administrativo da licitação (realização de despesas sem observância do princípio e contratação indevida de profissionais com inexigibilidade de licitação).
Além de outras práticas questionáveis, como a falta de retenção do imposto sobre serviços e fragmentação indevida de despesas. Ou seja: uma lambança geral. Sem contar que a ex-prefeita ajuizou ação anulatória visando desconstituir o Decreto Legislativo Municipal que desaprovou sua prestação de contas.
O juiz da 71ª Zona Eleitoral de Açailândia, André Santos, argumentou no indeferimento da candidatura que “ante todas estas considerações, somadas à orientação imposta pelos princípios da moralidade e probidade na interpretação das normas, reconheço incidir sobre a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS a causa de inelegibilidade prevista na alínea do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, por ter tido sua prestação de contas – relativa ao período de janeiro a outubro de 2003, quando exerceu o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia”.
E finaliza da seguinte forma: “Do exposto, julgo procedentes as impugnações ao registro da candidatura de GLEIDE LIMA SANTOS, motivo por que indefiro o seu pedido de registro para concorrer ao cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, nas eleições municipais de 2012″.
Fonte: Blog Luiz Cardoso
Acabou - Gleide Santos não pode ser candidata, diz justiça.
Gleide Santo tem registro de candidatura negado pela justiça
Açailândia - Na tarde do dia 03 de agosto o juiz eleitoral da 71ª zona, acatou o pedido de impugnação do registro de candidatura da Ex-prefeita Gleide Santos, formulado pela Promotoria Eleitoral. Ficando no páreo somente os candidatos Élson Santos e Milton Teixeira
Veja abaixo a integra da sentença bem fundamentada proferida pelo juiz eleitoral:
SENTENÇA
Trata-se de requerimento de registro de candidatura de GLEIDE LIMA SANTOS - filiada ao partido PMDB, que compõe a Coligação requerente -, ao cargo de Prefeita do Município de Açailândia, nas eleições municipais do ano de 2012. Anexos, documentos.
Foram determinadas providências judiciais preliminares (f. 27).
O cartório eleitoral satisfez as diligências a seu cargo (art. 35, Resolução 23.373 TSE), tendo de detectado as ausências de alguns documentos essenciais (f. 28).
Foram trazidos os documentos pendentes (ff. 29/39).
Publicado edital (f. 86).
O Ministério Público Eleitoral apresentou impugnação ao registro da candidatura (ff. 40/52). Expôs "que a impugnada Gleide Lima Santos, enquanto Prefeita do Município de Açailândia/MA, no exercício financeiro de 2003 (janeiro a outubro), teve suas contas desaprovadas pelo TCE/MA, com decisão já transitada em julgado, em virtude de irregularidades insanáveis, dentre as quais merecem realce a desobediência ao princípio administrativo da licitação (realização de despesas sem observância do princípio e contratação indevida de profissionais com inexigibilidade de licitação), além de outras práticas questionáveis (falta de retenção do imposto sobre serviços e fragmentação indevida de despesas)." Ante tais fatos, o presente RRC encontraria óbice no art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990. Pede, ao fim, a declaração de inelegibilidade da candidata e o indeferimento do RRC.
Notificada (ff. 53 e 85), a candidata apresentou contestação (ff. 164/238). Trouxe os argumentos seguintes: a) que, apesar do parecer do TCE pela desaprovação das contas da impugnada, não há prova do respectivo julgamento pela Câmara Municipal, conforme o art. 31 da CF; b) que a impugnada ajuizou ação anulatória visando desconstituir o Decreto Legislativo Municipal n.º 02/2009 que desaprovou sua prestação de contas enquanto prefeita no exercício financeiro de 2003, tendo o Juízo da 1ª Vara de Açailândia concedido a antecipação da tutela; c) que a impugnada não se encontra sob o vício da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990; d) que a impugnada obteve a referida antecipação da tutela antes do pedido de registro de sua candidatura; e) que o parecer do TCE é ineficaz para fins de inelegibilidade, vez que sua função é apenas opinativa, cabendo à Câmara Municipal o julgamento; f) que o impugnante não logrou apontar ou demonstrar a prática de ato doloso de improbidade administrativa. Por fim, pede a improcedência da impugnação, com o julgamento antecipado da lide.
A Coligação AÇAILÂNDIA UNIDA também apresentou impugnação ao registro da candidatura (ff. 55/80). Seus argumentos: a) que o TCE/MA emitiu parecer prévio pela desaprovação das contas (processo administrativo n.º 11103/2004) da impugnada referentes ao exercício do cargo de Prefeita no ano de 2003; b) que as contas desaprovadas eram de gestão; c) que a desaprovação das contas se deu em razão de irregularidades insanáveis, configurando a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990; d) que a impugnada "teve sua rejeição de contas pelo Parecer Prévio e a desaprovação pelo Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Açailândia, por irregularidades insanáveis, entre elas a ausência de licitação, fragmentação de despesas, entre outras, foi multada pelo TCE por ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou infração legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial"; e) que a impugnada questionou judicialmente o Parecer do TCE, mas não obteve êxito. Requer, pois, a procedência da impugnação, com o consequente indeferimento do registro da candidatura.
Notificada (ff. 81 85v), a candidata contestou (ff. 89/163). Disse: a) que ajuizou ação anulatória visando desconstituir o Decreto Legislativo Municipal n.º 02/2009, que tomou por base parecer do TCE/MA e desaprovou sua prestação de contas enquanto prefeita no exercício financeiro de 2003, tendo o Juízo da 1ª Vara de Açailândia concedido a antecipação da tutela; b) que apenas a Câmara Municipal tem competência para julgar as contas, não podendo ser substituída pelo TCE; c) que o parecer do TCE não pode resultar em sua inelegibilidade; d) que não houve indicação ou demonstração da prática (pela impugnada) de ato doloso de improbidade administrativa. Ao fim, pede a improcedência da impugnação, com o julgamento antecipado da lide.
Eis o relevante. Passo a decidir.
Inicialmente, uma vez que os documentos requisitados ao TCE/MA se encontram disponíveis no sítio do órgão na internet, de livre acesso ao público e às partes, revogo o despacho que os requisitou.
O caso comporta julgamento antecipado da lide, pois as questões, notadamente as de fato, prescindem da produção de provas em audiência para consecução da jurisdição (art. 5º, caput, LC nº 64/1990; e art. 42, Resolução n.º 23.373/2011 TSE).
Discute-se, aqui, a condição de elegibilidade da candidata, controvertendo, por meio da ação de impugnação de registro, a viabilidade legal da candidatura respectiva.
Na hipótese, os impugnantes sustentam que a candidata padece de vício de inelegibilidade, precisamente porque sofreu a desaprovação de suas contas enquanto no exercício do cargo de Prefeita Municipal de Açailândia no período de janeiro a outubro de 2003. O cerne da demanda, assim, consiste na verificação da aplicação da hipótese discriminada na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.° 64/1990, com sua redação alterada pela Lei Complementar n.° 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), à impugnada, independente da sorte da manifestação da Câmara Municipal.
Resta devidamente comprovado, e inconteste, que a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS teve sua prestação de contas referente ao período de janeiro a outubro de 2003 apreciadas e julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (ff. 45/48). A decisão do TCE/MA foi submetida à Câmara Municipal de Açailândia, e recebeu corroboração.
Passo à individualização dos fundamentos relevantes.
I - DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE E A APLICAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR n.° 135/2010:
Dispõe o art. 14, §9º da Constituição Federal:
Art. 14. [...].
§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A regulamentação da matéria na seara infraconstitucional se deu pela Lei Complementar n.º 64/1990, que em seu art. 1º, I, g - modificado pela Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) - prevê:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: [...]
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
A causa de inelegibilidade atribuída à impugnada se encontra prevista justamente na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990.
Conforme anteriormente citado, a previsão de inelegibilidade advém da inovação legal instituída pela Lei Complementar n.°135/2010. Essas alterações impostas à Lei Complementar n.° 64/1990, mesmo duramente criticadas por alguns, foi declarada constitucional e de eficácia plena para as eleições 2012 pelo Supremo Tribunal Federal em sessão plenária de 16/2/2012, que concluiu o julgamento conjunto da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578.
Estabeleceu o Supremo Tribunal Federal na ementa comum da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578:
"AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).
2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.
(...)
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.
(...)
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c" , "d" , "f" , "g", "h" , "j" , "m" , "n" , "o" , "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.
14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes (repercussão geral).
(ADC 30, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal restam firmados e imunes a qualquer tipo de nova argumentação três pontos fundamentais para apreciação desta demanda:
1º) Não se aplica às causas de inelegibilidade introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010 o instituto de irretroatividade de norma prejudicial, posto que as vedações têm caráter de salvaguardar a sociedade e o verdadeiro estado democrático, personificando os princípios de moralidade e proporcionalidade, não podendo lhes ser atribuída a natureza de norma penal, cuja retroatividade é vedada pelo art. 5º, XL, da Constituição Federal.
2º) A interpretação das causas de inelegibilidade deve sempre se pautar pela sua adequação aos princípios da moralidade e probidade, em defesa da sociedade e da democracia, de sorte que promova a transformação ética dos políticos, expurgando-se da administração pública os ímprobos.
3º) As prestações de contas apresentadas por Prefeitos Municipais e reprovadas pelos Tribunais de Contas, por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, após o transito em julgado, imputam ao gestor a inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, sempre que o item reprovado se referir a ato praticado na qualidade de ordenador de despesa, sendo irrelevante a manifestação do legislativo municipal sobre regularidade das contas, na forma do inciso II do artigo 71 da Constituição Federal.
Ou seja, não alcançado o prazo de oito anos entre o transito em julgado da prestação de contas pelo Tribunal de Contas e o pedido de registro da candidatura, a sua reprovação por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa sempre implica em inelegibilidade do (ex)prefeito, independente de posterior aprovação das contas pela câmara municipal.
II - A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DAS CORTES DE CONTAS PARA JULGAR CHEFES DO EXECUTIVO QUE ATUAREM COMO ORDENADORES DE DESPESA, EM PRONUNCIAMENTO TERMINATIVO.
A LC n.°135/2010 acrescentou ao texto da alínea ¿g" do inciso I do art. 1° da LC n° 64/1990 a seguinte expressão: "aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
A prestação de contas de governo é o meio pelo qual, anualmente, os chefes do executivo, entre eles os prefeitos municipais, expressam os resultados da atuação governamental no exercício financeiro a que se referem.
Claramente, o objetivo da norma foi investir os tribunais de contas da atribuição de julgar, com exclusividade, o gestor público (ordenador de despesas) - aqui incluídos os chefes do Poder Executivo e, por conseguinte, os prefeitos municipais (art. 71, II, CF).
O entendimento da questão depende do estabelecimento das diferenças entre contas de governo e contas de gestão e, também, sobre os órgãos competentes para seu julgamento.
A definição das contas de gestão - ou contas dos ordenadores de despesa - diferem da de contas de governo, e se exprime no artigo 71, II, da Constituição Federal, norma segundo a qual compete ao Tribunal de Contas da União julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta. Esta competência é estendida aos Tribunais de Contas dos Estados (CF, art. 75, caput).
Ressalto que a apreciação das contas de gestão SEMPRE foi atribuição das Cortes de Contas, nos termos do inciso II do art. 71 da CF, independentemente de o ordenador de despesas ser o próprio Chefe do Executivo. Na hipótese, a decisão desses tribunais ostenta caráter terminativo e condenatório, não se sujeitando ao crivo do legislativo municipal.
A distinção de regimes entre contas de governo e contas de gestão já foi exaustivamente discutida nos tribunais superiores, não havendo dissidência jurisprudencial ou mesmo doutrinária de valor entre elas. Vale aqui destacar a valiosa lição do prof, José de Ribamar Caldas Furtado, conselheiro do TCE/MA, nacionalmente reconhecido como um dos principais doutrinadores sobre o tema:
"[...] existem dois regimes jurídicos de contas públicas: a) o que abrange as denominadas contas de governo, exclusivo para a gestão política do chefe do Poder Executivo, que prevê o julgamento político levado a efeito pelo Parlamento, mediante auxílio do Tribunal de Contas, que emitirá parecer prévio (CF, art. 71, I, c/c art. 49, IX); b) o que alcança as intituladas contas de gestão, prestadas ou tomadas, dos administradores de recursos públicos, que impõe o julgamento técnico realizado em caráter definitivo pela Corte de Contas (CF, art. 71, II), consubstanciado em acórdão que terá eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3º), quando imputar débito (reparação de dano patrimonial) ou aplicar multa (punição)."
Esta distinção foi apreciada e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em 1999, no julgamento de relatoria do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, conforme se observa da ementa do acórdão abaixo transcrita, onde se assentou que a aprovação política das contas de governo não isentava os ordenadores de despesa das imputações de ônus pelas Cortes de Contas, visto que esta detinha a competência constitucional exclusiva para sua apreciação em caráter definitivo:
ADI 849, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1999, DJ 23-04-1999
EMENTA: Tribunal de Contas dos Estados: competência: observância compulsória do modelo federal: inconstitucionalidade de subtração ao Tribunal de Contas da competência do julgamento das contas da Mesa da Assembléia Legislativa - compreendidas na previsão do art. 71, II, da Constituição Federal, para submetê-las ao regime do art. 71, c/c. art. 49, IX, que é exclusivo da prestação de contas do Chefe do Poder Executivo. I. O art. 75, da Constituição Federal, ao incluir as normas federais relativas à "fiscalização" nas que se aplicariam aos Tribunais de Contas dos Estados, entre essas compreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais é clara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer prévio do Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tanto assim que a aprovação política das contas presidenciais não libera do julgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestão financeira das inúmeras unidades orçamentárias do próprio Poder Executivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Contas.
(PP-00001 EMENT VOL-01947-01 PP-00043, in (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000109294&base=baseAcordaos)
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça foi chamado para afirmar o óbvio: que a parcela das prestações de contas apresentadas pelos Chefes do Executivo, no que tange aos atos tipicamente de gestão - porquanto atuavam na função de ordenadores de despesa -, não se submetiam ao crivo do julgamento político, pois a competência para sua apreciação havia se esgotado no julgamento pela corte de contas respectiva. Nesse sentido:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo - contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial - da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo.
O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios).
Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88).
As segundas - contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).
Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas.
Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido." (RMS 11.060/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO MEDINA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2002, DJ 16/09/2002, p. 159)
Mais uma vez traz luz ao tema o Professor José de Ribamar Caldas Furtado, explicitando que, em se tratando do exame de ¿contas de gestão, que conforme as normas de regência podem ser anuais ou não, evidenciam os atos de administração e gerência de recursos públicos praticados pelos chefes e demais responsáveis, de órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive das fundações públicas, de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e municípios, tais como: arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas" .
Assim temos que, por determinação constitucional, as contas de governo se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I e 49, IX da CF), e as contas de gestão, por sua vez, submetem-se a julgamento direto exclusivo pelos Tribunais de Contas, podendo gerar inclusive imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º, da CF).
Indene de dúvida, então, que os prefeitos municipais, que também assumem a função de ordenadores de despesa, devem se submeter a duplo julgamento. Um de competência da Câmara Municipal, mediante parecer prévio do Tribunal de Contras, e o outro de competência exclusiva do Tribunal de Contas. É bem o caso específico da impugnada.
Valiosa a lição do Magistrado Marlon Reis que assim sintetizou a questão:
"No caso dos ordenadores de despesa, aí incluídos os Chefes do Poder Executivo que agiram nessa qualidade, o órgão cujo pronunciamento faz surgir a inelegibilidade é o Tribunal de Contas. Nessa hipótese, torna-se irrelevante eventual manifestação do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Câmara Legislativa e Câmara de Vereadores) no sentido da rejeição ou acolhimento dessas contas.
Frize-se: a inelegibilidade dos Chefes do Executivo que atuaram como ordenadores de despesa é estabelecida a partir da decisão do Tribunal de Contas, sendo irrelevante posterior pronunciamento favorável ou desfavorável da Câmara. (...)
Note-se que não cabe mais, aqui, o debate sobre se as contas técnicas do prefeito que atue como ordenador de despesas devem ser ou não julgadas pela Câmara de Vereadores. A nova alínea g do art. 1°, inciso I da Lei de Inelegibilidades, já declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, estipula que a decisão a ser levada em conta para definição da inelegibilidade é a tomada pelo Tribunal de Contas."
III - DA DECISÃO JUDICIAL, ANTECIPATÓRIA DE TUTELA, QUE SUSPENDEU A REJEIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL.
Reputo provada nos autos a existência de decisão do Judiciário Estadual (ff. 114/121), antecipatória da tutela e suspensiva dos efeitos do Decreto Legislativo n.º 02/2009, da Câmara Municipal de Açailândia , que desaprovou a prestação de contas da impugnada enquanto prefeita no período de janeiro a outubro de 2003.
Certo, pois, que o julgamento da Câmara (f. 69) - suspenso por ordem judicial - não fomenta a inelegibilidade.
O pronunciamento do Legislativo açailandense, no entanto, se restringe, quando muito, às contas de governo, pois o julgamento das contas de gestão (ff. 47/48) compete exclusivamente ao Tribunal de Contas, como já exposto, prescindindo do julgamento político efetivado pelo Legislativo.
Repita-se que o exame das contas de gestão cabe, notadamente agora, com o advento da LC n.º 135/2010, aos Tribunais de Contas, unicamente. Diz a doutrina: "a nova redação dada a esta alínea g da LC 64/90, pela Lei da Ficha Limpa, apresenta inovação significativa, em relação ao regime anterior. É que expressamente determina a aplicação do `disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição¿. [...] Em suma, têm-se agora dois regimes para a inelegibilidade por rejeição de contas dos Chefes dos poderes Executivos das Unidades da Federação: (a) o das contas de governo, no qual o tribunal de Contas dá parecer e a Casa Legislativa é que decide; e (b) o das contas de gestão, no qual o parecer do Tribunal de Contas é definitivo." (GONÇALVES, Luiz Cláudio dos Santos. Direito eleitoral. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 103/104).
Nada importa que se precipite o tratamento conjunto e uniforme dos diferentes tipos de constas (de governo e de gestão), o que, aliás, pode ser verificado com certa frequência. Contudo, ainda que assim seja - com eventual apreciação pelo Legislativo dos julgamentos dos tribunais de contas sobre contas de gestão - tal não tem o condão de desnaturar ou muito menos subtrair força impositiva das decisões destas cortes. A propósito:
¿É muito comum que a Câmara Municipal, ao receber o expediente do Tribunal de Contas, em que há apreciação daquele órgão, tanto no que diz respeito à gestão do orçamento, quanto à ordenação de despesas, acabe `julgando¿ tudo, às vezes confirmando as conclusões do TC e, às vezes, contrariando-as. Como se disse, o pronunciamento da Câmara será efetivo julgamento do Agente político, portanto apenas quanto à gestão do orçamento, uma vez que o julgamento do administrador público, do ordenador de despesas, já terá sido feito pela Corte de Contas."
IV - DA DELIMITAÇÃO DO CONCEITO SOBRE INELEGIBILIDADE POR "IRREGULARIDADE INSANÁVEL QUE CONFIGURE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA":
A redação atual da alínea `g¿ do inciso I, artigo 1.º, da Lei Complementar n.°64/1990, exige que o motivo da reprovação da conta advenha da constatação de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Em verdade, a modificação legislativa teve o objetivo de delimitar a conceituação de "irregularidade insanável" , lhe atribuindo a interpretação dos Tribunais Superiores, que já haviam instituído como insanável a prática de ato doloso de improbidade administrativa.
Assim dispunha a alínea alterada:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão; (redação anterior)
A inovação apenas determinou que irregularidades insanáveis são aquelas reconhecidas como atos dolosos de improbidade. A análise da Lei n.° 8.429/1992 (Lei de Combate a Improbidade Administrativa) revela que constituem práticas dolosas, e que, portanto, geram inelegibilidade, aquelas tipificadas nos artigos 9.º (atos que importem enriquecimento ilícito), 10 (atos que causem lesão ao erário) e 11 (atos que atentem contra os princípios da administração pública).
Nesse sentido leciona Marlon Lima Reis:
"O administrador tem toda a sua atividade determinada por limites legais. A sua atividade é imposta por deveres de conduta. Sua inação diante de uma medida de cautela ou fiscalizatória não constitui uma simples negligência, senão muito mais apropriadamente uma omissão dolosa.
De outra parte, a atuação ordinária do administrador é sempre pautada por atos de vontade. É assim, por exemplo, quando encaminha ao legislativo mensagem de lei orçamentária que desrespeita os limites constitucionais de gasto com a educação ou a saúde. Ocorre o mesmo quando, desrespeitando o orçamento corretamente definido, deixa de efetuar as despesas a que se sabe obrigado. Na primeira hipótese, tivemos uma infração político-administrativa dolosa simples; na segunda estamos diante de uma omissão dolosa.
Por outro lado, quando a lei faz menção à improbidade administrativa, reporta-se a atos positivos ou negativos que defluem do comportamento do administrador, o qual agiu ou deixou de agir ao arrepio das obrigações pelas quais sabe estar limitado, sendo inadmissível a alegação de ignorância.
É justamente nesse sentido que o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIP - Lei no 8.492/1992) dispõe constituir "ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições. (...).
Vejam-se os atos que o referido dispositivo considera ilícitos: (...)
Nenhum deles comporta a alegação de que tenham decorrido de um comportamento culposo.
No inciso II desse dispositivo proscreve-se a omissão dolosa típica: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício" . Estará incurso nesse dispositivo todo administrador que não agiu conforme o dever de vigilância que lhe impõem a Constituição e as leis. É bem esse o caso daquele que, omitindo-se de atividades pelas quais se sabe obrigado, deixa de observar limites de gastos ou de realizar concurso ou licitação públicos. (...)
Trata-se de evidente omissão dolosa a impor o reconhecimento da inelegibilidade do administrador ímprobo, desde que a irregularidade reste reconhecida no acórdão ou parecer proferido pelo tribunal de contas.
Da mesma forma, o administrador que deixa de realizar licitação pública quando a lei o determina, pratica um ato pautado por grave omissão dolosa, a reclamar o seu afastamento dos pleitos a realizarem-se pelos oito anos seguintes. Nesse sentido, segue plenamente aplicável a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que quanto ao tema já pontificava que: "(...) o descumprimento da Lei de Licitações configura irregularidade insanável. Precedentes: RO no 1.207, de minha relatoria, publicado na sessão de 20.9.2006 e REspe nos 22.704 e 22.609, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 19.10.2004 e 27.9.2004, respectivamente" . Assim deve ser, pois o inciso VIII do art. 10 da LIP que inclui essa prática entre as hipóteses de improbidade administrativa.
No caso do art. 9° da Lei de Improbidade Administrativa, em que se alinham hipóteses em que houve o enriquecimento ilícito do administrador ímprobo, descarta-se igualmente de saída qualquer hipótese de alegação de ato meramente culposo. (...)
O terceiro dispositivo da LIP (art. 10) que relaciona atos de improbidade faz expressa referência à ação ou omissão dolosas. Embora ali também se preveja a possibilidade do cometimento dessas condutas sob a forma culposa, essa não poderá ser encontrada na realidade concreta. Isso porque todas elas se tratam de casos que ensejam "perda patrimonial, desvio, apropriação, mal baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres" do Poder Público.
Não há, definitivamente, entre essas hipóteses, uma só delas que admita a sua realização na forma culposa. Mesmo na referência legal a "agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público" (inciso X, do art. 10 da LIP), o uso da expressão negligentemente não se deu no sentido técnico.
Estando o administrador obrigado a arrecadar tributos nos marcos legais e a velar pela conservação do patrimônio público, sua inação diante de tais comportamentos não constitui mera negligência, mas típica omissão dolosa, a implicar na exclusão temporária da sua aptidão eleitoral passiva.
Como se vê, nesse ponto a Lei da Ficha Limpa nada mais fez que explicitar a correção da jurisprudência atualmente reinante no TSE, sendo inadmissível qualquer conclusão de que houve um abrandamento do instituto.
É preciso ter em vista, sempre, o contexto sócio-político em que se deu a aprovação da iniciativa popular de projeto de lei. Toda a mobilização realizada teve por motivação justamente o excesso de leniência da redação original da Lei de Inelegibilidades. Seria por tudo inadmissível interpretar-se o novo instituto à luz de premissas que não levem em conta os afluxos sociológicos e teleológicos que devem informar a hermenêutica do novo dispositivo de lei."
A conclusão é a de que, no caso específico, a inelegibilidade aduzida decorreria da rejeição da prestação de contas da impugnada pelo TCE/MA, e desde que algumas das causas de reprovação das contas se enquadre em ato doloso de improbidade.
V - DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO SOBRE PRESTAÇÕES DE CONTAS.
Como antes explicitado, a impugnada foi prefeita municipal de Açailândia entre janeiro e outubro de 2003, e obteve julgamento negativo das suas contas, que foram reprovadas, tendo a respectiva decisão transitada em julgado.
Apenas a reprovação das contas, todavia, não acarreta a inelegibilidade. Para tanto é necessário que na prestação de contas, reprovada e com trânsito em julgado, tenha sido detectada a existência de vício insanável, ato doloso de improbidade e sobre o qual haja manifestação expressa da Corte de Contas sobre a irregularidade.
Segundo a Lei Orgânica do TCU, Lei n.° 8.443/1992, as prestações de contas dos gestores são julgadas da seguinte forma:
"Art. 15. Ao julgar as contas, o Tribunal decidirá se estas são regulares, regulares com ressalva, ou irregulares.
Art. 16. As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos."
A Lei Estadual n° 8.258/2005, Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, tem previsão semelhante, e estipula:
Art. 22. O Tribunal julgará as contas irregulares quando evidenciada qualquer das seguintes ocorrências:
I - omissão no dever de prestar contas;
II - prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ou infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
III - dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico;
IV - desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
Atentemos que ao proferir seu julgamento, o Tribunal de Contas não declara a existência de irregularidade insanável, ele julga as contas irregulares e aponta uma das ocorrências acima descritas nas alíneas do artigo 22 da Lei Estadual n° 8.258/2005. A irregularidade insanável, per si, já constitui a causa da reprovação das contas, posto que em todas as situações acima elencadas o gestor terá cometido ato de improbidade.
Diante disto, para configuração da causa de inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.° 64/1990, incumbe a Justiça Eleitoral apenas identificar expressamente a irregularidade insanável apurada pelo Tribunal de Contas.
Como afirma com simplicidade e clareza José Jairo Gomes, insanáveis são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública.
Conforme pacificado na jurisprudência do TSE, são consideradas insanáveis, e causadoras de inelegibilidade, entre outras, as seguintes condutas: retenção de contribuição previdenciária sem o repasse a Previdência; atos geradores de prejuízo ao erário; aplicação irregular de receitas oriundas de convênios públicos; abertura de crédito sem a existência do respectivo recurso; descumprimento da lei de licitações; descumprimento da lei de responsabilidade fiscal; inexistência de livros e escrituração contábil; inexistência de escrituração de registro de ingressos financeiros.
VI - A ADEQUAÇÃO EFETUADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO ATRAVÉS DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N.°009/2005.
A forma de apresentação, autuação e redação utilizadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão nos processos e lavratura dos acórdãos, até a edição da Instrução Normativa n.°09/2005, tem sido utilizado como argumento para justificar a validade das apreciações feitas pelo Legislativo municipal das prestações de contas apresentadas antes da vigência da citada norma interna.
O Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, como forma de facilitar a compreensão sobre seus julgados, editou a Instrução Normativa n.°009/2005, alterando a sistemática de prestação de contas anual do Prefeito e do Presidente da Câmara de Vereadores, bem como esclareceu a natureza das suas decisões.
Instrução Normativa n.°009/2005.
Art. 1º Atenderão aos termos da presente Instrução Normativa a forma e o conteúdo:
I - da prestação de contas anual do Prefeito Municipal, encaminhada para apreciação e julgamento do Tribunal de Contas do Estado, para os efeitos dos arts. 151, § 1º, e 172, incisos I, II, III, IV e IX, da Constituição Estadual; (...)
Art. 2º Para os fins desta Instrução Normativa, consideram-se:
I - contas públicas, o resultado da gestão orçamentária, financeira e patrimonial sintetizado em relatórios das mais diversas naturezas, os quais devem ser disponibilizados aos órgãos fiscalizadores e ao público de um modo geral, com vistas à avaliação do desempenho dos gestores públicos;
II - prestação de contas , o procedimento pelo qual pessoa física, órgão ou entidade, após o final do exercício financeiro, prestarão contas, ao órgão competente, sobre a legalidade, legitimidade e economicidade da utilização dos recursos orçamentários e extraorçamentários, da fidelidade funcional e do programa de trabalho;
III - ordenadores de despesa, o Prefeito, os Secretários Municipais, ou titulares de órgãos equivalentes, os gestores das entidades da administração indireta, aí incluídas as autarquias, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público Municipal, sociedades de economia mista e empresas públicas, e os gestores dos fundos especiais e de entidades privadas beneficiárias de subvenções, auxílios e/ou contribuições.
§ 1º O Prefeito será considerado ordenador de despesa quando, nessa condição, realizar atos de que resulte receita e despesa, tais como a emissão de empenhos, autorizações de pagamento, concessão de adiantamentos, reconhecimento de dívida, comprometimentos ou dispêndios de recursos do erário municipal. (...)
Art. 6º O Tribunal, ao apreciar a prestação de contas anual apresentada pelo Prefeito, na data e forma previstas nesta Instrução Normativa:
I - emitirá parecer prévio sobre as contas de governo do Município, de responsabilidade do Prefeito, no prazo de sessenta dias, a ser contado da data de seu recebimento, ou até o último mês do exercício financeiro, com fundamento no art. 172, inciso I, § 3º, da Constituição Estadual;
II - julgará as contas dos gestores responsáveis pelos atos de que resultaram receita e despesa, com fundamento no art. 172, incisos IV e IX, da Constituição Estadual, mediante acórdão.
§ 1º Caso o recebimento das contas ocorra antes da data constitucionalmente prevista, o prazo para a elaboração do parecer prévio será contado a partir do dia 15 de abril.
§ 2º Ao julgar as contas dos gestores responsáveis pelos atos de que resultem receita e despesa, o Tribunal decidirá pela regularidade, regularidade com ressalva ou irregularidade, não cabendo sobre elas deliberação da Câmara de Vereadores.
§ 3º São considerados gestores responsáveis por atos de que resultem receita e despesa o Prefeito, na condição de ordenador de despesa, o Secretário Municipal, ou titular de órgão equivalente, o gestor da entidade da administração indireta, aí incluídas as autarquias, fundações, instituídas e mantidas pelo Poder Público Municipal, sociedades de economia mista e empresas públicas, e os gestores dos fundos especiais e de entidades privadas beneficiárias de subvenções, auxílios e/ou contribuições.
Perceba-se que a Instrução Normativa n.°009/2005 não tem por finalidade apresentar qualquer modificação na natureza ou constituição dos julgados do TCE/MA. Trata-se de norma interna de caráter informador, cuja finalidade é dar transparência às atividades da Corte e facilitar o manuseio das prestações de contas apresentadas.
Assim, a norma não implicou, como jamais poderia implicar, em alteração da competência constitucional da corte de contas, máxime e até porque aquela ou mesmo qualquer outra instrução poderia se sobrepor à Constituição Federal.
Ao julgar as prestações de contas, seja de governo, seja de gestão, relativas aos exercícios anteriores a 2005, o TCE/MA o fazia de forma conjunta. Contudo, as condutas reprovadas se encontram devidamente individualizadas, havendo distinção clara de suas naturezas.
VII - DAS CAUSAS QUE MOTIVARAM A DESAPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO TCE/MA.
Estabelecidos os parâmetros necessários à análise da ocorrência de causa de inelegibilidade sobre a impugnada.
Mais outra vez convêm lembrar que o vertente julgamento não deverá considerar a manifestação da Câmara Municipal sobre as prestações de contas da impugnada, no tocante aos atos praticados como ordenadora de despesas, visto que, em razão da competência constitucional sobre a matéria ter sido atribuída às Cortes de Contas, o posicionamento do legislativo municipal, qualquer que seja, tem efeito apenas sobre as contas de governo, não se aplicando às contas de gestão.
No caso, as contas da impugnada foram desaprovadas precisamente porque identificadas as práticas de "irregularidades insanáveis (falta de retenção de imposto sobre serviços, realização de despesas sem observância ao princípio da licitação, fragmentação de despesas; contratação indevida de profissionais com inexigibilidade de licitação)", conforme traduzido pelo acórdão do TCE (f. 47).
Importa observar que a decisão do TCE transitou em julgado (ff. 49 e 52), além do que, questionada judicialmente, foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (ff. 70/79), cujo acórdão igualmente transitou em julgado.
As causas de rejeição das contas, acima descritas, se subsumem ao tipo do inciso VIII do art. 10 da Lei n.º 8.429/1992, que dispõe:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das e notadamente:
(...)
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
As condutas adotadas pela impugnada, nas formas em que perpetradas, apenas admitem a detecção do dolo como elemento anímico.
Não se pode compreender a dispensa de licitação (art. 10, VIII, Lei n.º 8.429/1992) como posicionamento culposo, mesmo que especializado na negligência. A dispensa de licitação - em três vertentes, na hipótese - não pode ser compreendida como vício formal.
Logo, está caracterizado o "ato doloso de improbidade administrativa" (art. 1º, I, g, LC n.º 64/1990). A propósito, o TSE:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS. VIOLAÇÕES À LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA A AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS E CONTRATAÇÃO DE DIVERSOS SERVIÇOS. VÍCIOS INSANÁVEIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A ausência de remessa da prestação de contas ao órgão competente e a inexistência de extratos bancários a comprovar as despesas efetuadas pelo Fundo Municipal de Saúde obstaculizam a própria aferição da regularidade das contas e consubstanciam vícios que, além de possuírem caráter insanável, caracterizam ato doloso de improbidade administrativa, a atrair a incidência da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90. 2. Uma vez constatada, pelo Tribunal de Contas, a ausência de licitações para a aquisição de bens e a contratação de serviços sem a formalização dos respectivos contratos e sem a realização de orçamento prévio e de pesquisa de mercado, a fim de estabelecer o valor da licitação e a respectiva modalidade, em inobservância aos ditames da Lei nº 8.666/93, é de se reconhecer a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. 3. Inviável o agravo regimental que não ataca especificamente os fundamentos da decisão hostilizada. Súmula nº 182/STJ. 4. Agravo regimental desprovido." (Tribunal Superior Eleitoral - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 400545, Acórdão de 28/10/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 28/10/2010 )
VIII - DA CONSUBSTANCIAÇÃO DA INELEGIBILIDADE.
Convergem e podem ser identificados todos os elementos que levam à configuração da inelegibilidade da impugnada, sob a perspectiva do art. 1º, I, g, da Lei Complementar n.º 64/1990.
Primeiro, suas contas (de gestão), pertinentes à época em que ocupou o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, no período de janeiro a outubro de 2003, foram rejeitadas pelo órgão competente, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, em razão de irregularidades insanáveis.
Segundo, suas atividades configuraram atos dolosos de improbidade administrativa.
Terceiro, o acórdão proferido pelo TCE/MA transitou em julgado e, mesmo questionado judicialmente, foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, cuja decisão também transitou em julgado, não havendo notícia alguma contrária nos autos (de suspensão ou anulação pelo Judiciário daquele acórdão do TCE).
Quarto, o acórdão do TCE data do ano de 2007, o que faz com que os efeitos legais da inelegibilidade se estendam às próximas eleições, pois previstos 08 (oito) anos.
IX - DO DISPOSITIVO.
Ante todas estas considerações, somadas à orientação imposta pelos princípios da moralidade e probidade na interpretação das normas, reconheço incidir sobre a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS a causa de inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, por ter tido sua prestação de contas - relativa ao período de janeiro a outubro de 2003, quando exerceu o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, reprovada pelo Tribunal de Contas do Maranhão, por práticas irregulares insanáveis, traduzidas como atos dolosos de improbidade administrativa.
Do exposto, julgo procedentes as impugnações ao registro da candidatura de GLEIDE LIMA SANTOS, motivo por que indefiro o seu pedido de registro para concorrer ao cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, nas eleições municipais de 2012.
Sem condenação aos ônus de sucumbência.
Juntem-se cópias desta sentença nos autos da DRAP correspondente e nos do RRC do candidato a vice-prefeito da chapa respectiva.
Publique-se. Registre-se Intimem-se. Notifique-se o Ministério Público Eleitoral.
Foram determinadas providências judiciais preliminares (f. 27).
O cartório eleitoral satisfez as diligências a seu cargo (art. 35, Resolução 23.373 TSE), tendo de detectado as ausências de alguns documentos essenciais (f. 28).
Foram trazidos os documentos pendentes (ff. 29/39).
Publicado edital (f. 86).
O Ministério Público Eleitoral apresentou impugnação ao registro da candidatura (ff. 40/52). Expôs "que a impugnada Gleide Lima Santos, enquanto Prefeita do Município de Açailândia/MA, no exercício financeiro de 2003 (janeiro a outubro), teve suas contas desaprovadas pelo TCE/MA, com decisão já transitada em julgado, em virtude de irregularidades insanáveis, dentre as quais merecem realce a desobediência ao princípio administrativo da licitação (realização de despesas sem observância do princípio e contratação indevida de profissionais com inexigibilidade de licitação), além de outras práticas questionáveis (falta de retenção do imposto sobre serviços e fragmentação indevida de despesas)." Ante tais fatos, o presente RRC encontraria óbice no art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990. Pede, ao fim, a declaração de inelegibilidade da candidata e o indeferimento do RRC.
Notificada (ff. 53 e 85), a candidata apresentou contestação (ff. 164/238). Trouxe os argumentos seguintes: a) que, apesar do parecer do TCE pela desaprovação das contas da impugnada, não há prova do respectivo julgamento pela Câmara Municipal, conforme o art. 31 da CF; b) que a impugnada ajuizou ação anulatória visando desconstituir o Decreto Legislativo Municipal n.º 02/2009 que desaprovou sua prestação de contas enquanto prefeita no exercício financeiro de 2003, tendo o Juízo da 1ª Vara de Açailândia concedido a antecipação da tutela; c) que a impugnada não se encontra sob o vício da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990; d) que a impugnada obteve a referida antecipação da tutela antes do pedido de registro de sua candidatura; e) que o parecer do TCE é ineficaz para fins de inelegibilidade, vez que sua função é apenas opinativa, cabendo à Câmara Municipal o julgamento; f) que o impugnante não logrou apontar ou demonstrar a prática de ato doloso de improbidade administrativa. Por fim, pede a improcedência da impugnação, com o julgamento antecipado da lide.
A Coligação AÇAILÂNDIA UNIDA também apresentou impugnação ao registro da candidatura (ff. 55/80). Seus argumentos: a) que o TCE/MA emitiu parecer prévio pela desaprovação das contas (processo administrativo n.º 11103/2004) da impugnada referentes ao exercício do cargo de Prefeita no ano de 2003; b) que as contas desaprovadas eram de gestão; c) que a desaprovação das contas se deu em razão de irregularidades insanáveis, configurando a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC n.º 64/1990; d) que a impugnada "teve sua rejeição de contas pelo Parecer Prévio e a desaprovação pelo Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Açailândia, por irregularidades insanáveis, entre elas a ausência de licitação, fragmentação de despesas, entre outras, foi multada pelo TCE por ato de gestão ilegítimo ou antieconômico, ou infração legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial"; e) que a impugnada questionou judicialmente o Parecer do TCE, mas não obteve êxito. Requer, pois, a procedência da impugnação, com o consequente indeferimento do registro da candidatura.
Notificada (ff. 81 85v), a candidata contestou (ff. 89/163). Disse: a) que ajuizou ação anulatória visando desconstituir o Decreto Legislativo Municipal n.º 02/2009, que tomou por base parecer do TCE/MA e desaprovou sua prestação de contas enquanto prefeita no exercício financeiro de 2003, tendo o Juízo da 1ª Vara de Açailândia concedido a antecipação da tutela; b) que apenas a Câmara Municipal tem competência para julgar as contas, não podendo ser substituída pelo TCE; c) que o parecer do TCE não pode resultar em sua inelegibilidade; d) que não houve indicação ou demonstração da prática (pela impugnada) de ato doloso de improbidade administrativa. Ao fim, pede a improcedência da impugnação, com o julgamento antecipado da lide.
Eis o relevante. Passo a decidir.
Inicialmente, uma vez que os documentos requisitados ao TCE/MA se encontram disponíveis no sítio do órgão na internet, de livre acesso ao público e às partes, revogo o despacho que os requisitou.
O caso comporta julgamento antecipado da lide, pois as questões, notadamente as de fato, prescindem da produção de provas em audiência para consecução da jurisdição (art. 5º, caput, LC nº 64/1990; e art. 42, Resolução n.º 23.373/2011 TSE).
Discute-se, aqui, a condição de elegibilidade da candidata, controvertendo, por meio da ação de impugnação de registro, a viabilidade legal da candidatura respectiva.
Na hipótese, os impugnantes sustentam que a candidata padece de vício de inelegibilidade, precisamente porque sofreu a desaprovação de suas contas enquanto no exercício do cargo de Prefeita Municipal de Açailândia no período de janeiro a outubro de 2003. O cerne da demanda, assim, consiste na verificação da aplicação da hipótese discriminada na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.° 64/1990, com sua redação alterada pela Lei Complementar n.° 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), à impugnada, independente da sorte da manifestação da Câmara Municipal.
Resta devidamente comprovado, e inconteste, que a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS teve sua prestação de contas referente ao período de janeiro a outubro de 2003 apreciadas e julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (ff. 45/48). A decisão do TCE/MA foi submetida à Câmara Municipal de Açailândia, e recebeu corroboração.
Passo à individualização dos fundamentos relevantes.
I - DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE E A APLICAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR n.° 135/2010:
Dispõe o art. 14, §9º da Constituição Federal:
Art. 14. [...].
§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A regulamentação da matéria na seara infraconstitucional se deu pela Lei Complementar n.º 64/1990, que em seu art. 1º, I, g - modificado pela Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) - prevê:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo: [...]
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
A causa de inelegibilidade atribuída à impugnada se encontra prevista justamente na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990.
Conforme anteriormente citado, a previsão de inelegibilidade advém da inovação legal instituída pela Lei Complementar n.°135/2010. Essas alterações impostas à Lei Complementar n.° 64/1990, mesmo duramente criticadas por alguns, foi declarada constitucional e de eficácia plena para as eleições 2012 pelo Supremo Tribunal Federal em sessão plenária de 16/2/2012, que concluiu o julgamento conjunto da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578.
Estabeleceu o Supremo Tribunal Federal na ementa comum da ADC 29, da ADC 30 e da ADI 4578:
"AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).
2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.
(...)
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.
(...)
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c" , "d" , "f" , "g", "h" , "j" , "m" , "n" , "o" , "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.
14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes (repercussão geral).
(ADC 30, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal restam firmados e imunes a qualquer tipo de nova argumentação três pontos fundamentais para apreciação desta demanda:
1º) Não se aplica às causas de inelegibilidade introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010 o instituto de irretroatividade de norma prejudicial, posto que as vedações têm caráter de salvaguardar a sociedade e o verdadeiro estado democrático, personificando os princípios de moralidade e proporcionalidade, não podendo lhes ser atribuída a natureza de norma penal, cuja retroatividade é vedada pelo art. 5º, XL, da Constituição Federal.
2º) A interpretação das causas de inelegibilidade deve sempre se pautar pela sua adequação aos princípios da moralidade e probidade, em defesa da sociedade e da democracia, de sorte que promova a transformação ética dos políticos, expurgando-se da administração pública os ímprobos.
3º) As prestações de contas apresentadas por Prefeitos Municipais e reprovadas pelos Tribunais de Contas, por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, após o transito em julgado, imputam ao gestor a inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, sempre que o item reprovado se referir a ato praticado na qualidade de ordenador de despesa, sendo irrelevante a manifestação do legislativo municipal sobre regularidade das contas, na forma do inciso II do artigo 71 da Constituição Federal.
Ou seja, não alcançado o prazo de oito anos entre o transito em julgado da prestação de contas pelo Tribunal de Contas e o pedido de registro da candidatura, a sua reprovação por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa sempre implica em inelegibilidade do (ex)prefeito, independente de posterior aprovação das contas pela câmara municipal.
II - A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DAS CORTES DE CONTAS PARA JULGAR CHEFES DO EXECUTIVO QUE ATUAREM COMO ORDENADORES DE DESPESA, EM PRONUNCIAMENTO TERMINATIVO.
A LC n.°135/2010 acrescentou ao texto da alínea ¿g" do inciso I do art. 1° da LC n° 64/1990 a seguinte expressão: "aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição".
A prestação de contas de governo é o meio pelo qual, anualmente, os chefes do executivo, entre eles os prefeitos municipais, expressam os resultados da atuação governamental no exercício financeiro a que se referem.
Claramente, o objetivo da norma foi investir os tribunais de contas da atribuição de julgar, com exclusividade, o gestor público (ordenador de despesas) - aqui incluídos os chefes do Poder Executivo e, por conseguinte, os prefeitos municipais (art. 71, II, CF).
O entendimento da questão depende do estabelecimento das diferenças entre contas de governo e contas de gestão e, também, sobre os órgãos competentes para seu julgamento.
A definição das contas de gestão - ou contas dos ordenadores de despesa - diferem da de contas de governo, e se exprime no artigo 71, II, da Constituição Federal, norma segundo a qual compete ao Tribunal de Contas da União julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta. Esta competência é estendida aos Tribunais de Contas dos Estados (CF, art. 75, caput).
Ressalto que a apreciação das contas de gestão SEMPRE foi atribuição das Cortes de Contas, nos termos do inciso II do art. 71 da CF, independentemente de o ordenador de despesas ser o próprio Chefe do Executivo. Na hipótese, a decisão desses tribunais ostenta caráter terminativo e condenatório, não se sujeitando ao crivo do legislativo municipal.
A distinção de regimes entre contas de governo e contas de gestão já foi exaustivamente discutida nos tribunais superiores, não havendo dissidência jurisprudencial ou mesmo doutrinária de valor entre elas. Vale aqui destacar a valiosa lição do prof, José de Ribamar Caldas Furtado, conselheiro do TCE/MA, nacionalmente reconhecido como um dos principais doutrinadores sobre o tema:
"[...] existem dois regimes jurídicos de contas públicas: a) o que abrange as denominadas contas de governo, exclusivo para a gestão política do chefe do Poder Executivo, que prevê o julgamento político levado a efeito pelo Parlamento, mediante auxílio do Tribunal de Contas, que emitirá parecer prévio (CF, art. 71, I, c/c art. 49, IX); b) o que alcança as intituladas contas de gestão, prestadas ou tomadas, dos administradores de recursos públicos, que impõe o julgamento técnico realizado em caráter definitivo pela Corte de Contas (CF, art. 71, II), consubstanciado em acórdão que terá eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3º), quando imputar débito (reparação de dano patrimonial) ou aplicar multa (punição)."
Esta distinção foi apreciada e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em 1999, no julgamento de relatoria do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, conforme se observa da ementa do acórdão abaixo transcrita, onde se assentou que a aprovação política das contas de governo não isentava os ordenadores de despesa das imputações de ônus pelas Cortes de Contas, visto que esta detinha a competência constitucional exclusiva para sua apreciação em caráter definitivo:
ADI 849, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1999, DJ 23-04-1999
EMENTA: Tribunal de Contas dos Estados: competência: observância compulsória do modelo federal: inconstitucionalidade de subtração ao Tribunal de Contas da competência do julgamento das contas da Mesa da Assembléia Legislativa - compreendidas na previsão do art. 71, II, da Constituição Federal, para submetê-las ao regime do art. 71, c/c. art. 49, IX, que é exclusivo da prestação de contas do Chefe do Poder Executivo. I. O art. 75, da Constituição Federal, ao incluir as normas federais relativas à "fiscalização" nas que se aplicariam aos Tribunais de Contas dos Estados, entre essas compreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais é clara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer prévio do Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tanto assim que a aprovação política das contas presidenciais não libera do julgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestão financeira das inúmeras unidades orçamentárias do próprio Poder Executivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Contas.
(PP-00001 EMENT VOL-01947-01 PP-00043, in (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000109294&base=baseAcordaos)
Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça foi chamado para afirmar o óbvio: que a parcela das prestações de contas apresentadas pelos Chefes do Executivo, no que tange aos atos tipicamente de gestão - porquanto atuavam na função de ordenadores de despesa -, não se submetiam ao crivo do julgamento político, pois a competência para sua apreciação havia se esgotado no julgamento pela corte de contas respectiva. Nesse sentido:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo - contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial - da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo.
O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios).
Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88).
As segundas - contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).
Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas.
Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido." (RMS 11.060/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO MEDINA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2002, DJ 16/09/2002, p. 159)
Mais uma vez traz luz ao tema o Professor José de Ribamar Caldas Furtado, explicitando que, em se tratando do exame de ¿contas de gestão, que conforme as normas de regência podem ser anuais ou não, evidenciam os atos de administração e gerência de recursos públicos praticados pelos chefes e demais responsáveis, de órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive das fundações públicas, de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e municípios, tais como: arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas" .
Assim temos que, por determinação constitucional, as contas de governo se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I e 49, IX da CF), e as contas de gestão, por sua vez, submetem-se a julgamento direto exclusivo pelos Tribunais de Contas, podendo gerar inclusive imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º, da CF).
Indene de dúvida, então, que os prefeitos municipais, que também assumem a função de ordenadores de despesa, devem se submeter a duplo julgamento. Um de competência da Câmara Municipal, mediante parecer prévio do Tribunal de Contras, e o outro de competência exclusiva do Tribunal de Contas. É bem o caso específico da impugnada.
Valiosa a lição do Magistrado Marlon Reis que assim sintetizou a questão:
"No caso dos ordenadores de despesa, aí incluídos os Chefes do Poder Executivo que agiram nessa qualidade, o órgão cujo pronunciamento faz surgir a inelegibilidade é o Tribunal de Contas. Nessa hipótese, torna-se irrelevante eventual manifestação do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Câmara Legislativa e Câmara de Vereadores) no sentido da rejeição ou acolhimento dessas contas.
Frize-se: a inelegibilidade dos Chefes do Executivo que atuaram como ordenadores de despesa é estabelecida a partir da decisão do Tribunal de Contas, sendo irrelevante posterior pronunciamento favorável ou desfavorável da Câmara. (...)
Note-se que não cabe mais, aqui, o debate sobre se as contas técnicas do prefeito que atue como ordenador de despesas devem ser ou não julgadas pela Câmara de Vereadores. A nova alínea g do art. 1°, inciso I da Lei de Inelegibilidades, já declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, estipula que a decisão a ser levada em conta para definição da inelegibilidade é a tomada pelo Tribunal de Contas."
III - DA DECISÃO JUDICIAL, ANTECIPATÓRIA DE TUTELA, QUE SUSPENDEU A REJEIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL.
Reputo provada nos autos a existência de decisão do Judiciário Estadual (ff. 114/121), antecipatória da tutela e suspensiva dos efeitos do Decreto Legislativo n.º 02/2009, da Câmara Municipal de Açailândia , que desaprovou a prestação de contas da impugnada enquanto prefeita no período de janeiro a outubro de 2003.
Certo, pois, que o julgamento da Câmara (f. 69) - suspenso por ordem judicial - não fomenta a inelegibilidade.
O pronunciamento do Legislativo açailandense, no entanto, se restringe, quando muito, às contas de governo, pois o julgamento das contas de gestão (ff. 47/48) compete exclusivamente ao Tribunal de Contas, como já exposto, prescindindo do julgamento político efetivado pelo Legislativo.
Repita-se que o exame das contas de gestão cabe, notadamente agora, com o advento da LC n.º 135/2010, aos Tribunais de Contas, unicamente. Diz a doutrina: "a nova redação dada a esta alínea g da LC 64/90, pela Lei da Ficha Limpa, apresenta inovação significativa, em relação ao regime anterior. É que expressamente determina a aplicação do `disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição¿. [...] Em suma, têm-se agora dois regimes para a inelegibilidade por rejeição de contas dos Chefes dos poderes Executivos das Unidades da Federação: (a) o das contas de governo, no qual o tribunal de Contas dá parecer e a Casa Legislativa é que decide; e (b) o das contas de gestão, no qual o parecer do Tribunal de Contas é definitivo." (GONÇALVES, Luiz Cláudio dos Santos. Direito eleitoral. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 103/104).
Nada importa que se precipite o tratamento conjunto e uniforme dos diferentes tipos de constas (de governo e de gestão), o que, aliás, pode ser verificado com certa frequência. Contudo, ainda que assim seja - com eventual apreciação pelo Legislativo dos julgamentos dos tribunais de contas sobre contas de gestão - tal não tem o condão de desnaturar ou muito menos subtrair força impositiva das decisões destas cortes. A propósito:
¿É muito comum que a Câmara Municipal, ao receber o expediente do Tribunal de Contas, em que há apreciação daquele órgão, tanto no que diz respeito à gestão do orçamento, quanto à ordenação de despesas, acabe `julgando¿ tudo, às vezes confirmando as conclusões do TC e, às vezes, contrariando-as. Como se disse, o pronunciamento da Câmara será efetivo julgamento do Agente político, portanto apenas quanto à gestão do orçamento, uma vez que o julgamento do administrador público, do ordenador de despesas, já terá sido feito pela Corte de Contas."
IV - DA DELIMITAÇÃO DO CONCEITO SOBRE INELEGIBILIDADE POR "IRREGULARIDADE INSANÁVEL QUE CONFIGURE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA":
A redação atual da alínea `g¿ do inciso I, artigo 1.º, da Lei Complementar n.°64/1990, exige que o motivo da reprovação da conta advenha da constatação de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Em verdade, a modificação legislativa teve o objetivo de delimitar a conceituação de "irregularidade insanável" , lhe atribuindo a interpretação dos Tribunais Superiores, que já haviam instituído como insanável a prática de ato doloso de improbidade administrativa.
Assim dispunha a alínea alterada:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão; (redação anterior)
A inovação apenas determinou que irregularidades insanáveis são aquelas reconhecidas como atos dolosos de improbidade. A análise da Lei n.° 8.429/1992 (Lei de Combate a Improbidade Administrativa) revela que constituem práticas dolosas, e que, portanto, geram inelegibilidade, aquelas tipificadas nos artigos 9.º (atos que importem enriquecimento ilícito), 10 (atos que causem lesão ao erário) e 11 (atos que atentem contra os princípios da administração pública).
Nesse sentido leciona Marlon Lima Reis:
"O administrador tem toda a sua atividade determinada por limites legais. A sua atividade é imposta por deveres de conduta. Sua inação diante de uma medida de cautela ou fiscalizatória não constitui uma simples negligência, senão muito mais apropriadamente uma omissão dolosa.
De outra parte, a atuação ordinária do administrador é sempre pautada por atos de vontade. É assim, por exemplo, quando encaminha ao legislativo mensagem de lei orçamentária que desrespeita os limites constitucionais de gasto com a educação ou a saúde. Ocorre o mesmo quando, desrespeitando o orçamento corretamente definido, deixa de efetuar as despesas a que se sabe obrigado. Na primeira hipótese, tivemos uma infração político-administrativa dolosa simples; na segunda estamos diante de uma omissão dolosa.
Por outro lado, quando a lei faz menção à improbidade administrativa, reporta-se a atos positivos ou negativos que defluem do comportamento do administrador, o qual agiu ou deixou de agir ao arrepio das obrigações pelas quais sabe estar limitado, sendo inadmissível a alegação de ignorância.
É justamente nesse sentido que o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIP - Lei no 8.492/1992) dispõe constituir "ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições. (...).
Vejam-se os atos que o referido dispositivo considera ilícitos: (...)
Nenhum deles comporta a alegação de que tenham decorrido de um comportamento culposo.
No inciso II desse dispositivo proscreve-se a omissão dolosa típica: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício" . Estará incurso nesse dispositivo todo administrador que não agiu conforme o dever de vigilância que lhe impõem a Constituição e as leis. É bem esse o caso daquele que, omitindo-se de atividades pelas quais se sabe obrigado, deixa de observar limites de gastos ou de realizar concurso ou licitação públicos. (...)
Trata-se de evidente omissão dolosa a impor o reconhecimento da inelegibilidade do administrador ímprobo, desde que a irregularidade reste reconhecida no acórdão ou parecer proferido pelo tribunal de contas.
Da mesma forma, o administrador que deixa de realizar licitação pública quando a lei o determina, pratica um ato pautado por grave omissão dolosa, a reclamar o seu afastamento dos pleitos a realizarem-se pelos oito anos seguintes. Nesse sentido, segue plenamente aplicável a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que quanto ao tema já pontificava que: "(...) o descumprimento da Lei de Licitações configura irregularidade insanável. Precedentes: RO no 1.207, de minha relatoria, publicado na sessão de 20.9.2006 e REspe nos 22.704 e 22.609, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 19.10.2004 e 27.9.2004, respectivamente" . Assim deve ser, pois o inciso VIII do art. 10 da LIP que inclui essa prática entre as hipóteses de improbidade administrativa.
No caso do art. 9° da Lei de Improbidade Administrativa, em que se alinham hipóteses em que houve o enriquecimento ilícito do administrador ímprobo, descarta-se igualmente de saída qualquer hipótese de alegação de ato meramente culposo. (...)
O terceiro dispositivo da LIP (art. 10) que relaciona atos de improbidade faz expressa referência à ação ou omissão dolosas. Embora ali também se preveja a possibilidade do cometimento dessas condutas sob a forma culposa, essa não poderá ser encontrada na realidade concreta. Isso porque todas elas se tratam de casos que ensejam "perda patrimonial, desvio, apropriação, mal baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres" do Poder Público.
Não há, definitivamente, entre essas hipóteses, uma só delas que admita a sua realização na forma culposa. Mesmo na referência legal a "agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público" (inciso X, do art. 10 da LIP), o uso da expressão negligentemente não se deu no sentido técnico.
Estando o administrador obrigado a arrecadar tributos nos marcos legais e a velar pela conservação do patrimônio público, sua inação diante de tais comportamentos não constitui mera negligência, mas típica omissão dolosa, a implicar na exclusão temporária da sua aptidão eleitoral passiva.
Como se vê, nesse ponto a Lei da Ficha Limpa nada mais fez que explicitar a correção da jurisprudência atualmente reinante no TSE, sendo inadmissível qualquer conclusão de que houve um abrandamento do instituto.
É preciso ter em vista, sempre, o contexto sócio-político em que se deu a aprovação da iniciativa popular de projeto de lei. Toda a mobilização realizada teve por motivação justamente o excesso de leniência da redação original da Lei de Inelegibilidades. Seria por tudo inadmissível interpretar-se o novo instituto à luz de premissas que não levem em conta os afluxos sociológicos e teleológicos que devem informar a hermenêutica do novo dispositivo de lei."
A conclusão é a de que, no caso específico, a inelegibilidade aduzida decorreria da rejeição da prestação de contas da impugnada pelo TCE/MA, e desde que algumas das causas de reprovação das contas se enquadre em ato doloso de improbidade.
V - DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO SOBRE PRESTAÇÕES DE CONTAS.
Como antes explicitado, a impugnada foi prefeita municipal de Açailândia entre janeiro e outubro de 2003, e obteve julgamento negativo das suas contas, que foram reprovadas, tendo a respectiva decisão transitada em julgado.
Apenas a reprovação das contas, todavia, não acarreta a inelegibilidade. Para tanto é necessário que na prestação de contas, reprovada e com trânsito em julgado, tenha sido detectada a existência de vício insanável, ato doloso de improbidade e sobre o qual haja manifestação expressa da Corte de Contas sobre a irregularidade.
Segundo a Lei Orgânica do TCU, Lei n.° 8.443/1992, as prestações de contas dos gestores são julgadas da seguinte forma:
"Art. 15. Ao julgar as contas, o Tribunal decidirá se estas são regulares, regulares com ressalva, ou irregulares.
Art. 16. As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário;
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos."
A Lei Estadual n° 8.258/2005, Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, tem previsão semelhante, e estipula:
Art. 22. O Tribunal julgará as contas irregulares quando evidenciada qualquer das seguintes ocorrências:
I - omissão no dever de prestar contas;
II - prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ou infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
III - dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico;
IV - desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
Atentemos que ao proferir seu julgamento, o Tribunal de Contas não declara a existência de irregularidade insanável, ele julga as contas irregulares e aponta uma das ocorrências acima descritas nas alíneas do artigo 22 da Lei Estadual n° 8.258/2005. A irregularidade insanável, per si, já constitui a causa da reprovação das contas, posto que em todas as situações acima elencadas o gestor terá cometido ato de improbidade.
Diante disto, para configuração da causa de inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.° 64/1990, incumbe a Justiça Eleitoral apenas identificar expressamente a irregularidade insanável apurada pelo Tribunal de Contas.
Como afirma com simplicidade e clareza José Jairo Gomes, insanáveis são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública.
Conforme pacificado na jurisprudência do TSE, são consideradas insanáveis, e causadoras de inelegibilidade, entre outras, as seguintes condutas: retenção de contribuição previdenciária sem o repasse a Previdência; atos geradores de prejuízo ao erário; aplicação irregular de receitas oriundas de convênios públicos; abertura de crédito sem a existência do respectivo recurso; descumprimento da lei de licitações; descumprimento da lei de responsabilidade fiscal; inexistência de livros e escrituração contábil; inexistência de escrituração de registro de ingressos financeiros.
VI - A ADEQUAÇÃO EFETUADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO MARANHÃO ATRAVÉS DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N.°009/2005.
A forma de apresentação, autuação e redação utilizadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão nos processos e lavratura dos acórdãos, até a edição da Instrução Normativa n.°09/2005, tem sido utilizado como argumento para justificar a validade das apreciações feitas pelo Legislativo municipal das prestações de contas apresentadas antes da vigência da citada norma interna.
O Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, como forma de facilitar a compreensão sobre seus julgados, editou a Instrução Normativa n.°009/2005, alterando a sistemática de prestação de contas anual do Prefeito e do Presidente da Câmara de Vereadores, bem como esclareceu a natureza das suas decisões.
Instrução Normativa n.°009/2005.
Art. 1º Atenderão aos termos da presente Instrução Normativa a forma e o conteúdo:
I - da prestação de contas anual do Prefeito Municipal, encaminhada para apreciação e julgamento do Tribunal de Contas do Estado, para os efeitos dos arts. 151, § 1º, e 172, incisos I, II, III, IV e IX, da Constituição Estadual; (...)
Art. 2º Para os fins desta Instrução Normativa, consideram-se:
I - contas públicas, o resultado da gestão orçamentária, financeira e patrimonial sintetizado em relatórios das mais diversas naturezas, os quais devem ser disponibilizados aos órgãos fiscalizadores e ao público de um modo geral, com vistas à avaliação do desempenho dos gestores públicos;
II - prestação de contas , o procedimento pelo qual pessoa física, órgão ou entidade, após o final do exercício financeiro, prestarão contas, ao órgão competente, sobre a legalidade, legitimidade e economicidade da utilização dos recursos orçamentários e extraorçamentários, da fidelidade funcional e do programa de trabalho;
III - ordenadores de despesa, o Prefeito, os Secretários Municipais, ou titulares de órgãos equivalentes, os gestores das entidades da administração indireta, aí incluídas as autarquias, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público Municipal, sociedades de economia mista e empresas públicas, e os gestores dos fundos especiais e de entidades privadas beneficiárias de subvenções, auxílios e/ou contribuições.
§ 1º O Prefeito será considerado ordenador de despesa quando, nessa condição, realizar atos de que resulte receita e despesa, tais como a emissão de empenhos, autorizações de pagamento, concessão de adiantamentos, reconhecimento de dívida, comprometimentos ou dispêndios de recursos do erário municipal. (...)
Art. 6º O Tribunal, ao apreciar a prestação de contas anual apresentada pelo Prefeito, na data e forma previstas nesta Instrução Normativa:
I - emitirá parecer prévio sobre as contas de governo do Município, de responsabilidade do Prefeito, no prazo de sessenta dias, a ser contado da data de seu recebimento, ou até o último mês do exercício financeiro, com fundamento no art. 172, inciso I, § 3º, da Constituição Estadual;
II - julgará as contas dos gestores responsáveis pelos atos de que resultaram receita e despesa, com fundamento no art. 172, incisos IV e IX, da Constituição Estadual, mediante acórdão.
§ 1º Caso o recebimento das contas ocorra antes da data constitucionalmente prevista, o prazo para a elaboração do parecer prévio será contado a partir do dia 15 de abril.
§ 2º Ao julgar as contas dos gestores responsáveis pelos atos de que resultem receita e despesa, o Tribunal decidirá pela regularidade, regularidade com ressalva ou irregularidade, não cabendo sobre elas deliberação da Câmara de Vereadores.
§ 3º São considerados gestores responsáveis por atos de que resultem receita e despesa o Prefeito, na condição de ordenador de despesa, o Secretário Municipal, ou titular de órgão equivalente, o gestor da entidade da administração indireta, aí incluídas as autarquias, fundações, instituídas e mantidas pelo Poder Público Municipal, sociedades de economia mista e empresas públicas, e os gestores dos fundos especiais e de entidades privadas beneficiárias de subvenções, auxílios e/ou contribuições.
Perceba-se que a Instrução Normativa n.°009/2005 não tem por finalidade apresentar qualquer modificação na natureza ou constituição dos julgados do TCE/MA. Trata-se de norma interna de caráter informador, cuja finalidade é dar transparência às atividades da Corte e facilitar o manuseio das prestações de contas apresentadas.
Assim, a norma não implicou, como jamais poderia implicar, em alteração da competência constitucional da corte de contas, máxime e até porque aquela ou mesmo qualquer outra instrução poderia se sobrepor à Constituição Federal.
Ao julgar as prestações de contas, seja de governo, seja de gestão, relativas aos exercícios anteriores a 2005, o TCE/MA o fazia de forma conjunta. Contudo, as condutas reprovadas se encontram devidamente individualizadas, havendo distinção clara de suas naturezas.
VII - DAS CAUSAS QUE MOTIVARAM A DESAPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS PELO TCE/MA.
Estabelecidos os parâmetros necessários à análise da ocorrência de causa de inelegibilidade sobre a impugnada.
Mais outra vez convêm lembrar que o vertente julgamento não deverá considerar a manifestação da Câmara Municipal sobre as prestações de contas da impugnada, no tocante aos atos praticados como ordenadora de despesas, visto que, em razão da competência constitucional sobre a matéria ter sido atribuída às Cortes de Contas, o posicionamento do legislativo municipal, qualquer que seja, tem efeito apenas sobre as contas de governo, não se aplicando às contas de gestão.
No caso, as contas da impugnada foram desaprovadas precisamente porque identificadas as práticas de "irregularidades insanáveis (falta de retenção de imposto sobre serviços, realização de despesas sem observância ao princípio da licitação, fragmentação de despesas; contratação indevida de profissionais com inexigibilidade de licitação)", conforme traduzido pelo acórdão do TCE (f. 47).
Importa observar que a decisão do TCE transitou em julgado (ff. 49 e 52), além do que, questionada judicialmente, foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (ff. 70/79), cujo acórdão igualmente transitou em julgado.
As causas de rejeição das contas, acima descritas, se subsumem ao tipo do inciso VIII do art. 10 da Lei n.º 8.429/1992, que dispõe:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das e notadamente:
(...)
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
As condutas adotadas pela impugnada, nas formas em que perpetradas, apenas admitem a detecção do dolo como elemento anímico.
Não se pode compreender a dispensa de licitação (art. 10, VIII, Lei n.º 8.429/1992) como posicionamento culposo, mesmo que especializado na negligência. A dispensa de licitação - em três vertentes, na hipótese - não pode ser compreendida como vício formal.
Logo, está caracterizado o "ato doloso de improbidade administrativa" (art. 1º, I, g, LC n.º 64/1990). A propósito, o TSE:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS. VIOLAÇÕES À LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA A AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS E CONTRATAÇÃO DE DIVERSOS SERVIÇOS. VÍCIOS INSANÁVEIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A ausência de remessa da prestação de contas ao órgão competente e a inexistência de extratos bancários a comprovar as despesas efetuadas pelo Fundo Municipal de Saúde obstaculizam a própria aferição da regularidade das contas e consubstanciam vícios que, além de possuírem caráter insanável, caracterizam ato doloso de improbidade administrativa, a atrair a incidência da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90. 2. Uma vez constatada, pelo Tribunal de Contas, a ausência de licitações para a aquisição de bens e a contratação de serviços sem a formalização dos respectivos contratos e sem a realização de orçamento prévio e de pesquisa de mercado, a fim de estabelecer o valor da licitação e a respectiva modalidade, em inobservância aos ditames da Lei nº 8.666/93, é de se reconhecer a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. 3. Inviável o agravo regimental que não ataca especificamente os fundamentos da decisão hostilizada. Súmula nº 182/STJ. 4. Agravo regimental desprovido." (Tribunal Superior Eleitoral - Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 400545, Acórdão de 28/10/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 28/10/2010 )
VIII - DA CONSUBSTANCIAÇÃO DA INELEGIBILIDADE.
Convergem e podem ser identificados todos os elementos que levam à configuração da inelegibilidade da impugnada, sob a perspectiva do art. 1º, I, g, da Lei Complementar n.º 64/1990.
Primeiro, suas contas (de gestão), pertinentes à época em que ocupou o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, no período de janeiro a outubro de 2003, foram rejeitadas pelo órgão competente, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, em razão de irregularidades insanáveis.
Segundo, suas atividades configuraram atos dolosos de improbidade administrativa.
Terceiro, o acórdão proferido pelo TCE/MA transitou em julgado e, mesmo questionado judicialmente, foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, cuja decisão também transitou em julgado, não havendo notícia alguma contrária nos autos (de suspensão ou anulação pelo Judiciário daquele acórdão do TCE).
Quarto, o acórdão do TCE data do ano de 2007, o que faz com que os efeitos legais da inelegibilidade se estendam às próximas eleições, pois previstos 08 (oito) anos.
IX - DO DISPOSITIVO.
Ante todas estas considerações, somadas à orientação imposta pelos princípios da moralidade e probidade na interpretação das normas, reconheço incidir sobre a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS a causa de inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, por ter tido sua prestação de contas - relativa ao período de janeiro a outubro de 2003, quando exerceu o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, reprovada pelo Tribunal de Contas do Maranhão, por práticas irregulares insanáveis, traduzidas como atos dolosos de improbidade administrativa.
Do exposto, julgo procedentes as impugnações ao registro da candidatura de GLEIDE LIMA SANTOS, motivo por que indefiro o seu pedido de registro para concorrer ao cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, nas eleições municipais de 2012.
Sem condenação aos ônus de sucumbência.
Juntem-se cópias desta sentença nos autos da DRAP correspondente e nos do RRC do candidato a vice-prefeito da chapa respectiva.
Publique-se. Registre-se Intimem-se. Notifique-se o Ministério Público Eleitoral.
Açailândia, 03 de agosto de 2012.
André B. P. Santos
- Juiz da 71ª Zona Eleitoral -
Fonte: Rei dos Bastidores
Candidatura de Gleide já era: Gleide santos cai e tudo indica que não conseguirá se levantar mais
Logo após ser informada da decisão em seu desfavor, Gleide Santos teria convocado seus assessores, aos quais teria informado que vai recorrer da decisão em 2ª instância!
Açailândia – A ex. candidata a prefeita Gleide Lima Santos (PMDB), teve o registro de candidatura negado pela justiça eleitoral. Segundo grandes juristas a decisão já era esperada, uma vez que tudo pesa em desfavor da mesma.
Com a queda de Gleide Santos o grupão de oposição poderá se“fragmentar” em varias partes. A ex. prefeita já tinha sido alertada que isso poderia acontecer, mais mesmo assim botou o “pé na parede” e formulou pedido de registro de candidatura, que foi negado pela a justiça.
Acordo Quebrado – Na época em que a oposição fazia articulação para se unirem, uma das condições imposta pelos coordenadores do então “Grupão”, era de que o grupo não apoiaria candidato sob judice, acordo quebrado pela ex. prefeita que não gosta muito de horar acordos.
Vejam a decisão do juiz!
Ante todas estas considerações, somadas à orientação imposta pelos princípios da moralidade e probidade na interpretação das normas, reconheço incidir sobre a impugnada GLEIDE LIMA SANTOS a causa de inelegibilidade prevista na alínea `g¿ do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n.°64/1990, por ter tido sua prestação de contas - relativa ao período de janeiro a outubro de 2003, quando exerceu o cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, reprovada pelo Tribunal de Contas do Maranhão, por práticas irregulares insanáveis, traduzidas como atos dolosos de improbidade administrativa.
Do exposto, julgo procedentes as impugnações ao registro da candidatura de GLEIDE LIMA SANTOS, motivo por que indefiro o seu pedido de registro para concorrer ao cargo de Prefeita Municipal de Açailândia, nas eleições municipais de 2012.
Sem condenação aos ônus de sucumbência.
Juntem-se cópias desta sentença nos autos da DRAP correspondente e nos do RRC do candidato a vice-prefeito da chapa respectiva.
Publique-se. Registre-se Intimem-se. Notifique-se o Ministério Público Eleitoral.
Açailândia, 03 de agosto de 2012.
André B. P. Santos
Juiz da 71ª Zona Eleitoral
Por Antônio Marcos
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